terça-feira, 30 de outubro de 2012

O REI ZINHO VAI À GUERRA

- Declaro a guerra. A guerra está declarada. A partir deste instante este reino se acha em guerra. Como todo bom reino, este reino deve promover a guerra. Minha tia estava com caxumba. Uma rainha não pode ter  caxumba. A caxumba era surda e não ficou sabendo deste édito real. Se minha tia fosse uma rainha esperta teria declarado guerra à caxumba. Mas ela preferiu deixar o inimigo aparecer, aquela caxumba infame passeando em uma rainha. Não quero ser um rei com caxumba, por isso faço a guerra. O reino vizinho está infestado de caxumba. As galinhas e os ovos de gansos do reino vizinho estão infestados de caxumba. As laranjas do reino vizinho tem cor ruiva e as alfaces nascem no alto das árvores. Não bastasse isto, o reino vizinho possui um rei que não possui tios nem avós e a ama de leite da filha do rei vi Zinho é vesga. Como, provavelmente, meu filho terá que se casar com a princesa vi zinha, é melhor que fiquemos inimigos antes que isto aconteça. Não quero meu filho casando com uma princesa que teve uma ama vesga e que, pior, muito pior, possui um irmão que usa capacete de bombeiro e nem há boas estrebarias no reino vizinho. Os cavalos do meu inimigo não dão crias, muito menos as éguas. O rio que corta o reino vizinho está contaminado de pequenos peixes e por lá não se acha um só bom peixe que possa valer a pena passar uma noite pescando. O rei vi Zinho permite que o povo dance às terças e às quintas-feiras ele promove um concurso de canto com seu povo. O rei vi Zinho permite que os infiéis pratiquem suas práticas e que as mulheres possam comprar marrecos nas feiras, além de poderem usar botas e calças jeans quanto têm vontade. Além destas imoralidades o reino vizinho está para abrir uma estação de metrô com alto falantes na qual qualquer um poderá dar seu recado. Declaro a guerra,! A guerra está declarada! Preciso salvar meus súditos da imoralidade, da indecência, da caxumba e dos marrecos comprados pelas mulheres vizinhas nas feiras. Meu tio declarou a guerra a um reino além mar, mas como ele não sabia nadar nunca pode fazer a guerra. Eu sou esperto. Declaro a guerra a um reino vizinho, amigo e conhecido, em que se pode guerrear durante o dia e vir dormir no meu bercinho a noite, um pouco após a papinha. Não, nada de bondades! Serei cruel com o inimigo. Deixarei seus cães criarem pulgas e não lhes darei as sobras do jantar. Os criados do reino vizinho serão mantidos. O rei e a rainha vi zinhos, bem como seus filhos, serão declarados escravos e terão que se converter em canabais. Canabais são uma espécie de educadores morais que eu institui em meu reino quando os meninos com menos de trinta anos quiseram deixar de usar camisolão. O reino vizinho precisa a com urgência de canabais e terá suas fronteiras fechadas. Além de salvar meu povo, salvarei o povo do reino vizinho que está a cair nos precipícios das trevas graças às moralidades do seu rei que come aspargos com queijo e cerveja toda quarta-feira às quinze horas. Logicamente que eu poderia declarar guerra ao reino vizinho da esquerda e não ao da direita, ou mesmo ao do norte ou ao do sul, que aliás era o meu preferido para batalhas campais devido a imensa praia que possui e seria mesmo maravilhoso tomar banho de mar durante as lutas. Devo confessar que passei tardes pensando em qual seria o melhor reino para guerrear. Mas....

(Leonia Oliveira in O FIO DE ARIADNE http://www.portalescritor.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=955&friurl=:-O-FIO-DE-ARIADNE--Leonia-Oliveira-: )

DIÁLOGO ENTRE ARTEMIX E ARIADNE

Artemix: A amargura que carregas é teu escudo. Teces com ela a própria mortalha. Não
quero te iludir e não te iludo, mas em mim existe uma outra malha. Se não queres combater, não há combate. Mas nada impedirá que eu a mate. Pois embora não conheça o teu instinto, conheço bem o instinto que me guia, e se sou generosa em um dia no outro já não posso sê-lo. Se com uma mão abrando a agonia, com a outra distribuo o desespero. Se a quem aqui me trouxe eu causo alegria, a ti deve restar o pesadelo.

Ariadne: Assim é o instinto da aranha: quando tece é artista, quando captura é carrasco.
Mas se existe em teu peito tal barganha, se compensas o bem que causas com o mal que necessitas, se em ti não causa asco o coração que te acompanha ou, se antes, a ti não causa repúdio ser a própria aranha, ter dela a fibra te constituindo as veias, em mim a desilusão é tanta ao saber que quem, um dia, lutou contra o que o destino lhe dizia, com tal luta preparou a tua ceia. Se me vences ou eu desisto, a mim a sorte deste jogo é alheia. Bem pior ainda é o castigo de ter que levar comigo o fio que me armou a nossa teia.

(Leonia Oliveira in O FIO DE ARIADNE
http://www.portalescritor.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=955&friurl=:-O-FIO-DE-ARIADNE--Leonia-Oliveira-: )

CASA DE PEDRAS

Começo o projeto da Casa de Pedras,

A nova.

Onde morarei depois daqui.

As escadarias de pedra e os gatos de renda e os pôneis no jardim.

As estufas e os estúdios e os amplos espaços

De abrigar amigos.

A casa é tão linda que é impossível que

Não seja frente ao mar.

E vejo você.

E vejo o abismo que você vê.

Você já não percorre escadarias

Nem procura disfarçar que o amor que sente por mim é

Como se fora um disfarce para seu vazio.

A ausência que causou em mim

Foi comparável a ausência do barulho das ondas

Sem o qual a casa não pode haver.

Você procura furtar seus olhares,

Você passa, finalmente, sem que eu lhe perceba.

Sem que eu sinta novamente tal odor de frutas, de cavalos cavalgando na praia,

Definitivamente, você passou.

Agora você dá de jantar e depois almoça com os seus invasores

E já não se importa se lhe furtam a flor,

O jardim não é seu conhecido.


©leoniaoliveira

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Eu frequento tabacarias e atravesso a rua comendo chocolates. E, sinceramente, gostaria de ter escrito este poema.

Nunca fui de assistir muito teatro, mas de fazê-lo. Embora as comédias me atraiam mais, o drama é mais poético.

Gosto de Fernando Pessoa, de ele ser mais de um, de se fazer personagem para fazer poesia e estes dias vi um homem dizendo "Fernando Pessoa não tinha imaginação" dizia isto porque quando Pessoa falava da Tabacaria, aquilo tudo estava acontecendo. Achei tanta ignorância nesta afirmação que escutei a entrevista inteira.

Talvez se Fernando Pessoa dissesse: Tenho um rinoceronte que come chocolate enquanto lê a plaqueta da tabacaria, o estudioso (assim se denominava o tal) pudesse achar alguma imaginação em Pessoa.

Mas qualquer um pode escrever sobre rinocerontes que leem plaquetas. Pessoa, coitado, "só" tinha imaginação para criar outros eus.

Criar a história inteira de um personagem e cria-lo poeta. Coisa bem pouca, a se considerar rinocerontes brancos que, sem ter o que fazer, se põem de estudiosos pessonianos, imaginam-se Camões, e  falam  que Fernando não tinha imaginação.

leonia oliveira

EU QUERIA UMA CANÇÃO...

Eu queria uma canção

que não falasse de amores colaborativos,

nem dos amores que tive,

que tenho

ou que terei.

Quero uma canção que cante meu coração

Contando coisas boas de varanda e rede,

Sobre queijos e frutas colhidas

E sobre meu hábito de colecionar relógios.

De preferência quero uma canção

Que rime sapatos com óculos

porque também os coleciono

e que se arrume dentro de mim

como o sangue e as hemáceas.

algo que seja transparente como a cor dos meus olhos

a pupila e a irís que os gatos tem.

Melodia de bichos de pelúcias aos quais dou nomes

como Grubo, Homero, Ilíada, Lubiano e que encante

minhas bonecas de pano, minhas miniaturas de kinder-ovo

e meu kit-turismo.

Que comece no sul e percorra o país colecionando

Chapéus, cinzeiros, camisetas e barcos

e que não se preocupe com fotos

porque o que fica é o ar que respirei.

Quero uma canção que seja uma declaração

De mim mesma.

®leoniaoliveira

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

( descida de Dionisio em Naxos em O FIO DE ARIADNE)

Dioniso seus leões desencilha

E, em uma Naxos em que brilham

Fios das lâminas de treinos e combates,

Obstinadamente ele trilha,

Como os piratas que pilham,

Para descobrir desta jóia, qual o valor do quilate.

Se a tomará como sua

Ou se a tomará por resgate.

Mas quando enfim chega perto

A Ariadne adormecida na areia,

Toma o mar por deserto

E o sol por centelha

Tamanho é o esplendor

Que a mulher, ali, lhe causa

Que a tesouro qualquer ela humilha,

Brotando das areias da ilha,

Hipnotizando Dioniso de amor.

E, assim, sem conseguir dizê-lo,

Dioniso, o exímio cantor,

Ao corpo de Ariadne dedilha

Como se fora uma lira

E ele, o único tocador.

Considera-a bem mais que uma rainha

E lhe procura o anel de selo

Para descobrir-lhe a família,

Para descobrir de qual vinha

Ele ainda não era o senhor.

Embora os dedos não possam dizê-lo,

Dioniso não perde a esperança

E lhe procura a coroa.

À cabeça de Ariadne ele alcança

E talvez, sem o querê-lo,

Mas para tramar esta loa,

Desfaz-lhe a trança do cabelo.

leoniaoliveira